APONTAMENTOS SOBRE O SEGURO DE VIDA E O SUICÍDIO
Ney Wiedemann Neto (Desembargador no TJRS) - artigo publicado na News do SINCOR
Primeiramente, cumpre esclarecer que as seguradoras ao negarem o pagamento da cobertura securitária, fazem-no sob o argumento de inexistência de cobertura para suicido premeditado e necessidade de observância do prazo de carência estabelecido no Código Civil.
Neste caso, começo examinando a necessidade de aplicação do art. 798 do Código Civil, que assim prevê:
Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.
Comungo do entendimento de que, em tendo o segurado falecido em decorrência de suicídio, é devida a cobertura por morte acidental. Ressalto, ainda, que não desconheço e não desconsidero a necessidade de observância do prazo carencial. Na verdade, este prazo está condicionado à premeditação do suicídio, com o objetivo de favorecimento dos beneficiários após a sua morte. Além do mais, como se pode ver, a alegação de carência para justificar a negativa também não encontra respaldo algum, sendo devido o pagamento da indenização independentemente do contrato ter ou não ultrapassado a vigência de dois anos, conforme a Súmula 105 do STF.
"Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro".
Por conseguinte, a indenização, no caso de o suicídio ocorrer no prazo de carência, apenas não será devida se comprovado que o autoextermínio foi premeditado. O suicídio premeditado deve ser provado, cumprindo à seguradora, verificado a ocorrência desta modalidade de óbito, o ônus de provar a premeditação do autoextermínio, e não ao beneficiário provar a não premeditação, incidindo, na espécie, a Súmula 61 do STJ, do seguinte teor:
"O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado"
O suicídio presume-se como ato de inconsciência, resultante de um desequilíbrio nas faculdades mentais, tornando-o involuntário, cabendo ao segurador o ônus da prova em contrário. De consequência, não há dúvida que o simples fato de suicídio ter ocorrido nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato excluiria o direito do beneficiário à cobertura.
Caio Mário da Silva Pereira[1] nos ensina:
"O Código de 2002 deu tratamento inusitado às hipóteses de suicídio. Em seu art. 798 determinou que o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros 2 (dois) anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso. Esta regra deve ser interpretada no sentido de que após 2 anos da contratação do seguro presume-se que o suicídio não foi premeditado. Se o suicídio ocorrer menos de 2 anos após a contratação do seguro caberá à seguradora demonstrar que o segurado assim fez exclusivamente para obter em favor de terceiro o pagamento da indenização. Essa prova da premeditação é imprescindível, sob pena de o segurador obter enriquecimento sem causa, diante das pesquisas da ciência no campo da medicina envolvendo a patologia da depressão. Essa tinha sido a solução sugerida por mim no Código das Obrigações, e adotada no Código de 2002".
No mesmo sentido são as observações de Rizzardo[2]:
As manifestações preponderantes são as que defendem ponto de vista diferente, assentando que a presunção é constituir o suicídio um ato de inconsistência, e devendo a seguradora provar o contrário: "Presume-se o suicídio um ato de inconsistência, cabendo a quem tiver o interesse provar o contrário. De modo a destruir tal presunção... Quanto ao fato de se tratar ou não de morte voluntária, é de se notar que quem atenta contra a própria vida não está, de ordinário, no juízo perfeito. Escreve, a propósito, Flamínio Fávero: ‘Não direi, com Esquirol, que o homem não atenta contra os seus dias quando está em delírio, e que os suicidas são alienados (‘Memoire du Suicide’), mas aplaudo convictamente os que insistem em chamar o suicida de anormal psíquico. O instinto de conservação é uma força poderosa. Seu embotamento é mórbido. Quem deserta da vida não tem perfeita saúde mental. È evidente que o critério de normalidade somatopsíquica é relativo. Mas dentro dessa relatividade está a maioria. O que aberra disso, pois é patológico’ (Medicina Legal, vol 1º/257, 6ª ed.).
Outrossim, Carvalho Santos, depois de afirmar que compete à seguradora provar que o suicídio foi premeditado, reportando-se a lição de Clóvis Beviláqua, escreve o seguinte: ‘O suicídio, todavia, presume-se sempre como ato de inconsciência, cabendo a quem tiver interesse provar o contrário, de modo a destruir tal presunção’ (Contratos, 8ª edição, p. 875).
Além do disposto no parágrafo único do art. 798 do Código Civil, o que afastaria, por si, a cláusula contratual que exclui o suicídio, referida cláusula pode ser inoperante, dependendo da apólice, pois nada mais é que uma cláusula limitativa, ou seja, aquela que implica em limitação de direito do consumidor. Tal cláusula não é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, todavia qualquer situação ou estipulação que implicar ou cercear qualquer limitação de direito do consumidor, bem como a que indicar desvantagem ao aderente, deverá estar obrigatoriamente exposta de forma clara no contrato de adesão. Desse modo, no conflito de interesses entre segurado e segurador, o contrato deve ser interpretado segundo o artigo 47 do Código de Proteção ao Consumidor, favorável ao consumidor, ou seja, ao segurado.
Importante, ainda, transcrever recentes decisões do STJ a respeito do tema, conforme exemplificam as duas seguintes ementas:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO DE VIDA - MORTE DO SEGURADO - SUICÍDIO - NEGATIVA DE PAGAMENTO DO SEGURO AO BENEFICIÁRIO - BOA-FÉ DO SEGURADO - PRESUNÇÃO - EXEGESE DO ART. 798 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - INTERPRETAÇÃO LITERAL - VEDAÇÃO - INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ, NA ESPÉCIE - A PREMEDITAÇÃO NA CONTRATAÇÃO DIFERE-SE DA PREPARAÇÃO PARA O ATO SUICIDA - APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 105/STF E 61/STF NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - RECURSO PROVIDO. I - O seguro é a cobertura de evento futuro e incerto que poderá gerar o dever de indenizar por parte do segurador. II - A boa-fé - que é presumida - constitui elemento intrínseco do seguro, e é caracterizada pela lealdade nas informações prestadas pelo segurado ao garantidor do risco pactuado. III - O artigo 798 do Código Civil de 2002, não alterou o entendimento de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária. IV - O legislador procurou evitar fraudes contra as seguradoras na hipótese de contratação de seguro de vida por pessoas que já tinham a idéia de suicídio quando firmaram o instrumento contratual. V - Todavia, a interpretação literal ao disposto no art. 798 do Código Civil de 2002, representa exegese estanque, que não considera a realidade do caso com os preceitos de ordem pública estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor, aplicável obrigatoriamente aqui, em que se está diante de uma relação de consumo. VI - Uma coisa é a contratação causada pela premeditação ao suicídio, que pode excluir a indenização. Outra, diferente, é a premeditação para o próprio ato suicida. VII - É possível a interpretação entre os enunciados das Súmulas 105 do STF e 61 desta Corte Superior na vigência do Código Civil de 2002. VIII - In casu, ainda que a segurada tenha cometido o suicídio nos primeiros dois anos após a contratação, não há que se falar em excludente de cobertura, uma vez que não restou demonstrada a premeditação do próprio ato suicida. IX - Recurso especial provido. (REsp 1077342/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 03/09/2010)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO NO PRAZO DE DOIS ANOS DE INÍCIO DE VIGÊNCIA DA APÓLICE. NEGATIVA DE PAGAMENTO. ART. 798 DO CC/2002. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA. BOA-FÉ. PRESUNÇÃO. NECESSIDADE DE PROVA DA PREMEDITAÇÃO. PRECEDENTE. AFASTADA A PREMEDITAÇÃO. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. 1. A interpretação do art. 798, do Código Civil de 2002, deve realizar-se de modo a compatibilizar o seu ditame ao disposto nos arts. 113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da nova codificação civil. 2. Nessa linha, o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por si só, não autoriza a companhia seguradora a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequívoca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à seguradora, conforme as Súmulas 105/STF e 61/STJ expressam em relação ao suicídio ocorrido durante o período de carência. 3. "O artigo 798 do Código Civil de 2002, não alterou o entendimento de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária." (AgRg no Ag 1.244.022/RS, de minha relatoria, julgamento realizado em 13.4.2011 e REsp 1077342/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 03/09/2010).
4. No caso, o Tribunal de origem expressamente consignou que os elementos de convicção dos autos evidenciam que o suicídio não foi premeditado. Entender-se de forma diversa demandaria necessária incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, com o consequente reexame de provas, conduta vedada em sede de recurso especial, ante o óbice previsto na Súmula 7/STJ, consoante afirmado na decisão ora agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 42.273/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 25/10/2011)
Finalizando, o que se percebe é que apesar da clareza da redação do art. 798 do Código Civil, a interpretação dos tribunais a respeito do tema não sofreu alteração significativa. A posição que já estava consolidada na forma inclusive de súmulas foi preservada. Para tanto, o STJ, seguido pelos tribunais estaduais, manteve inalterada a questão da necessidade de prova da premeditação do segurado em contratar o seguro com a finalidade de, logo após, cometer o suicídio. Ou seja, a seguradora não tem que provar que o suicídio foi premeditado, porque isso sempre acontece, mas a contratação com a intenção de a indenização ser paga aos beneficiários, por esta causa.
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[1] Instituições de Direito Civil. 11. ed. Rio de Janeiro, 2004, v. 3, p. 467
[2] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 2004. p. 875
fONTE:http://www.sincor-rs.com/news/2012/seguro-devida.pdf
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