Se depender do ânimo dos advogados e magistrados gaúchos, as decisões judiciais sobre ações do Direito da Propriedade Intelectual incorporarão um ganho significativo de qualidade e agilidade a partir deste ano, com consequências benéficas para o mundo dos negócios, envolvendo marcas, patentes e direitos autorais. A expectativa animadora se instalou, principalmente entre os advogados militantes, em fevereiro, quando o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul emitiu a Resolução 02/2012, concentrando no 3ª Grupo Cível (5ª e 6ª Câmaras Cíveis) a competência para julgar demandas de Propriedade Intelectual. Não serão exclusivas porque os oito desembargadores continuam julgando outras demandas do Direito Privado, mas concentrarão estes processos.
De acordo com os operadores do Direito, a medida significa um grande passo não só para a celeridade processual, mas, essencialmente, para o aprimoramento das decisões judiciais. Até então, o ingresso de uma ação desta seara era percebido como uma aposta de loteria, pois se perdia entre as milhares de ações espalhadas por diversas câmaras. Ou seja, o Judiciário estadual não dava uma atenção diferenciada a este tipo de demanda.
A especialização da 5ª e 6ª Câmaras Cíveis agradou muito ao presidente da Comissão Especial de Propriedade Intelectual (Cepi) da OAB-RS, Luiz Gonzaga Silva Adolfo, que há muito se bate pela medida agora adotada pelo tribunal. ‘‘Contribuímos diretamente para esta iniciativa’’, diz Gonzaga Adolfo, sem esquecer de mencionar outras entidades interessadas na mudança, como Associação Brasileira de Agentes da Propriedade Industrial (Abapi), através de seu presidente nacional, o gaúcho e colega Fabiano de Bem da Rocha. Do alto de sua experiência de mais de duas décadas militando neste nicho de mercado, além de professor e parecerista respeitado nacionalmente, ele afirma que ‘‘não há como negar que as decisões sairão com melhor qualidade’’.
Para o presidente da Cepi/OAB-RS, quanto maior a especificação e concentração, melhor. ‘‘O mesmo pode se dar em nível de primeiro grau. Ou até pela criação de delegacias especializadas, como na repressão à pirataria, por exemplo’’, sugere.
Gonzaga Adolfo também se orgulha da capacitação dos profissionais formados pela respeitada escola gaúcha de Direitos Intelectuais. ‘‘Conheço todos e cada um. Posso afiançar que estamos falando de profissionais da mais alta valia. No que tem a ver com os membros da Cepi, além do trabalho conhecido de qualidade na advocacia, também há farta produção intelectual de valor — livros, artigos e palestras. Quase todos são professores, e seis dos 16 componentes são doutores em Direito.’’
A palavra do julgador
‘‘A experiência do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul com a especialização de varas, no primeiro grau, e de câmaras, no segundo grau, tem comprovado o aumento na quantidade e na qualidade dos julgamentos, sem dúvida alguma’’, confirma o desembargador Ney Wiedemann Neto, que jurisdiciona na 6ª Câmara Cível.
No seu entendimento, isso permite que o magistrado estude a matéria com maior profundidade. Assim, no passar do tempo, com a experiência acumulada e pela repetição de casos parecidos, ele terá à disposição um conjunto de textos, precedentes e pesquisas, que lançará mão para fundamentar as suas decisões.
No caso da Propriedade Intelectual, o desembargador também reconhece que a concentração dos julgamentos nas duas câmaras tem o condão de reforçar a estabilidade dos precedentes, a uniformização da jurisprudência e a especialização dos desembargadores. Em entrevista concedida à revista eletrônica Consultor Jurídico, ele fala dos desafios de julgar matérias sobre Propriedade Intelectual.
Leia a entrevista:
ConJur — Há quanto tempo o senhor julga este tipo de demanda? Ney Wiedemann Neto — Atuando como juiz de Direito desde 1989 e, no Tribunal de Justiça, a partir de 2001. Posso dizer que desde o início de minha carreira julguei e sigo julgando processos envolvendo essa matéria de Propriedade Intelectual ou de Propriedade Industrial.
ConJur — Qual o movimento processual de 2010 para cá? Aumentou muito, em termos percentuais?
Ney Wiedemann Neto — Ainda não temos disponível este dado, porque até fevereiro de 2012 esses processos eram classificados como “Direito Privado não especificado”.
ConJur — Dentro da Propriedade Intelectual, quais as demandas mais comuns?
Ney Wiedemann Neto — Utilização de programas de informática sem licença e violação de marcas e patentes.
ConJur — Em média, qual o tempo de tramitação no primeiro e segundo grau?
Ney Wiedemann Neto — É difícil precisar o tempo médio de duração dos processos, envolvendo a temática, porque alguns poderão necessitar de oitiva de testemunhas e de realização de perícia. Nessa hipótese, poderá demorar, em média, dois anos no primeiro grau e mais seis meses no Tribunal de Justiça, sem contar com a possibilidade de interposição de recursos para os tribunais superiores – STF ou STJ.
ConJur — E é expressivo o número de muito recursos que ‘‘sobe’’ para os tribunais superiores? Dá para estimar?
Ney Wiedemann Neto — Como as classes de Direito da Propriedade Intelectual e de Direito da Propriedade Industrial foram criadas em fevereiro de 2012, ainda não há dados estatísticos sobre o volume de recursos aos tribunais superiores.
ConJur — O TJ-RS tem uma jurisprudência sobre Propriedade Intelectual?
Ney Wiedemann Neto — O tribunal tem centenas de acórdãos com julgamentos de processos sobre os temas de Propriedade Intelectual ou de Propriedade Industrial, embora fossem distribuídos como matéria não especificada e julgados por dezenas de desembargadores de várias câmaras cíveis. Há jurisprudência do TJ-RS, por exemplo, envolvendo a questão dos direitos autorais e a contribuição devida ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).
ConJur — A propósito, a lei e a jurisprudência, nesta área, conferem bastante segurança jurídica ao empresariado, que lhe permita investir e cobrar os seus direitos ou, então, apostar na inovação?
Ney Wiedemann Neto — A segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais são fundamentais para que as pessoas e as empresas que atuam na área da criação autoral, de produtos industriais e de programas de informática possam desenvolver os seus projetos e estar protegidos contra aqueles que possam violar os seus direitos de propriedade. O ordenamento jurídico, no Brasil, já possui um escopo de normas suficiente para essa proteção. A jurisprudência dos tribunais está consolidada no sentido da proteção a esses direitos, usando o conjunto de normas postas. A especialização de câmaras no TJ-RS, para julgamento com exclusividade dos processos envolvendo a matéria, tem justamente esses propósitos -- de reforçar a estabilidade dos precedentes, a uniformização da jurisprudência e a especialização dos desembargadores. Estes oito desembargadores, pela repetição dos casos e volume de julgamentos, poderão estudar a matéria com bastante profundidade.
ConJur — Qual sua opinião sobre as decisões de primeiro grau: são boas, merecem muitas reformas, a instrução é bem-feita?
Ney Wiedemann Neto — Não é possível definir uma posição teórica sobre os julgamentos nesses processos. Cada caso é um caso, não sendo possível uma generalização. Entretanto, um ponto importante na condução do processo diz respeito à produção das provas. Quando uma perícia, na área da Propriedade Industrial, é necessária, a respeito de marcas e patentes, é muito importante escolher um perito capacitado e competente para a tarefa. Do contrário, a perícia poderá mais prejudicar o convencimento do juiz do que elucidar as questões técnicas.
ConJur — Há valores de consenso para arbitrar indenizações por violações dos direitos da propriedade intelectual? Depende do STJ? Do caso concreto?
Ney Wiedemann Neto — O arbitramento das indenizações sempre vai depender do caso concreto. Entretanto, a Lei da Propriedade Industrial fornece algumas diretrizes, inclusive levando em conta o faturamento da empresa que tenha praticado alguma infração a esses direitos.
ConJur — É comum haver acordos na primeira fase do processo?
Ney Wiedemann Neto — No Brasil, o Poder Judiciário é, muitas vezes, utilizado de modo disfuncional, e não temos, ainda, uma cultura da conciliação e de acordos. Pelo excesso de recursos que a lei processual permite, muitas vezes, o violador de direitos de propriedade acredita obter alguma vantagem imediata pela continuidade da infração, apostando na demora da resposta judicial. A não ser que uma medida liminar abrevie e interrompa essa situação — o que nem sempre é possível, por depender da confirmação de várias provas a respeito da violação.
ConJur — É um tema que se presta à conciliação, por exemplo, quando pega uma violação de software da Microsoft ou de uma gravadora?
Ney Wiedemann Neto — Situações de violação de direitos de informática, como o uso de programas sem licença, em geral oportunizam acordos pelos infratores, com a aquisição ou regularização das licenças de uso dos programas. Os custos do processo judicial e os valores de possíveis indenizações são estímulos para que as práticas de violações de direitos de Propriedade Autoral, Intelectual ou Industrial cessem.
ConJur — Os juízes e desembargadores, com raras exceções, não têm formação em Economia, Engenharia ou Administração de Empresas. Isso dificulta a compreensão dos fatos que geram os processos? Ney Wiedemann Neto — Há casos em que a compreensão acerca da violação de uma marca ou de uma patente reclama que o juiz determine a realização de uma perícia, por agente da Propriedade Industrial especializado no tema. A formação do magistrado é na área do Direito, e há vários outros casos em que a produção de provas, especialmente a pericial, supre essa falta de conhecimento especial. Por exemplo: na acusação de erro médico. Sem a perícia, o juiz não teria condições de apurar.
ConJur — Os magistrados devem procurar a especialização para produzir uma decisão de melhor qualidade?
Ney Wiedemann Neto — A experiência do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, com a especialização de Varas, no primeiro grau, e de Câmaras, no segundo grau, há anos, tem comprovado o aumento na quantidade e na qualidade dos julgamentos, sem dúvida alguma. Isso permite que o magistrado estude a matéria com maior profundidade e, pela repetição de casos parecidos, com o tempo, ele já dispõe de um conjunto de textos, precedentes e pesquisas que usa para fundamentar as suas decisões.
ConJur – E os magistrados contam com um número satisfatório de peritos na área da propriedade intelectual?
Ney Wiedemann Neto — De modo geral, há peritos capacitados para assessorar os juízes, inclusive na área mais técnica, que é a da Propriedade Industrial. Entretanto, há situações de processos que tramitam em pequenas comarcas do Interior, onde o juiz não encontra, lá mesmo, o profissional para nomear para a perícia. Nesse caso, é preferível nomear um perito estabelecido em outra cidade ou na Capital, do que nomear alguém sem competência para elucidar o caso, que resida naquela cidade.
ConJur – E todos os processos em Propriedade Intelectual necessitam de laudos, para apoiar a decisão do magistrado?
Ney Wiedemann Neto — Os processos que necessitam de perícias são, em geral, os que envolvem discussão sobre marcas e patentes. Questões de plágio de obras literárias ou de músicas, processo envolvendo a cobrança do Ecad, por exemplo, são solucionados pela simples observação dos fatos pelo magistrado, não carecendo de prova mais técnica.
ConJur – Uma opinião final sobre a atividade de julgar demandas da Propriedade Intelectual.
Ney Wiedemann Neto — É importante que os advogados que atuam em processos judiciais envolvendo questões de Propriedade Intelectual e de Propriedade Industrial busquem se aperfeiçoar no estudo da matéria. Como se trata de um ramo do Direito muito específico, com um microssistema normativo, os direitos das empresas e das pessoas em geral, para serem preservados, dependem que seus advogados sejam capacitados e saibam manejar corretamente os instrumentos jurídicos para esse fim. Não basta que o juiz ou o tribunal seja especializado no julgamento da matéria, se faltar conhecimentos específicos aos advogados que irão propor as ações ou fazer as respectivas defesas.
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