terça-feira, 25 de maio de 2010

GESTÃO DE GABINETE - ENTREVISTA


Natural de Porto Alegre, o Desembargador Ney Wiedemann Neto graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS na turma de 1987. Nomeado Juiz de Direito em dezembro de 1989, foi convocado ao Tribunal de Justiça em fevereiro de 2001, onde atuou em nove Câmaras Cíveis, até sua promoção ao cargo de Desembargador, em dezembro de 2008. É membro da Consultoria Interna de Coordenação Executiva do Plano de Gestão pela Qualidade do Judiciário (PGQJ) do Tribunal de Justiça desde 1998. Também integrou a Comissão de Racionalização dos Serviços Cartorários da Justiça de 1º Grau em 2004.

Esta entrevista foi feita com base em publicação integrante da Coleção Administração Judiciária a partir de dissertação de Mestrado Profissional em Poder Judiciário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) intitulada “Gestão de Gabinetes de Magistrados nas Câmaras Cíveis do TJRS”.

Imprensa: Qual o papel do magistrado como gerente dos processos de trabalho e das rotinas de gabinete que coordena?

Desembargador Ney: O Juiz/Desembargador trabalha em conjunto com a sua equipe de funcionários e de estagiários, no seu gabinete. Ele, como gestor de sua atividade, cuida dos recursos humanos, constituídos pela sua equipe, dos recursos materiais, que são os equipamentos e as tecnologias à sua disposição e também dos métodos de trabalho, que são as rotinas e os procedimentos praticados no gabinete para os julgamentos dos processos. O magistrado, como administrador da prestação jurisdicional, finalidade do seu labor, depara-se com o desafio proposto pelo princípio da eficiência, procurando obter o melhor resultado em termos qualitativos e quantitativos, respeitando os princípios que regem a administração pública.

Imprensa: A proposta de estruturação de um “gabinete-modelo”, fruto de sua pesquisa acadêmica, chegou a ser implementada? Há algum gabinete modelo no TJRS? Caso negativo, o que falta para isso?

Desembargador Ney: Formalmente, não há um gabinete de desembargador no TJRS que possa receber essa denominação, porque seria fruto da implementação de um sistema de gestão de gabinetes pela Administração do TJRS, a quem caberia definir as diretrizes para o enquadramento nesse conceito, com boas práticas de gestão e padronizações de procedimentos. Por outro lado, o nosso gabinete é o único, até o momento, que formalmente aderiu ao PGQJ – Plano de Gestão pela Qualidade no Judiciário, através do que nossa equipe recebeu o devido treinamento e capacitação em práticas de gestão pela qualidade. A pesquisa que realizamos para a dissertação de mestrado, no campo da Administração Judiciária, aliada à oportunidade de colocarmos em prática alguns exemplos de boa gestão, permitiu-nos alavancar resultados positivos na prestação jurisdicional, mas não no sentido de identificarmos o nosso gabinete como um modelo. Na verdade, o conceito de modelo, como já referido, decorre de nossa proposta de certa padronização em alguns procedimentos, o que somente poderá ser objetivado a partir da própria Presidência do TJRS, havendo entendimento de conveniência e oportunidade nesse sentido.

Imprensa: É possível padronizar todos os procedimentos ou algumas questões estão intrinsecamente associadas ao perfil de cada magistrado? O que não é possível padronizar?

Desembargador Ney: No livro, procuro diferenciar os processos básicos dos processos de suporte. Os processos básicos estão relacionados à própria atividade-fim, que é a prestação jurisdicional. O modo como o gabinete promoverá os julgamentos dos processos dependerá sempre da orientação do magistrado, como gerente desse processo de trabalho. De fato, isso está associado ao seu perfil, ao tipo de liderança que ele irá exercer na sua equipe. Há colegas que são mais centralizadores e há outros que delegam e distribuem mais as tarefas. Porém, os processos de suporte podem ser padronizados, porque servem para o monitoramento dos processos de trabalho básicos. Tem a ver com boas práticas de gestão e de controle para que as metas definidas sejam alcançadas. São exemplos de processos de suporte a capacitação e o treinamento da equipe, a adequação ao ambiente de trabalho, a organização dos autos no gabinete, uma metodologia para o planejamento das sessões, a definição das atribuições e responsabilidades dos cargos dos membros da equipe e a exigência do cumprimento dos deveres funcionais correlatos. Se houver de parte da Administração do TJRS uma definição das melhores práticas para os processos de suporte, a padronização destes com certeza poderá alavancar ganhos de desempenho nos gabinetes, que refletirão em termos de quantidade e de qualidade na prestação jurisdicional.

Imprensa: É certo que o juiz está investido naturalmente de poder e autoridade inerentes ao cargo. Diante disso, qual o posicionamento que o magistrado deve adotar em relação aos servidores que com ele trabalham a fim de estabelecer relações que garantam resultados mais eficazes?

Desembargador Ney: Em verdade, o gerente da equipe não é, necessariamente, o seu líder. A autoridade formal decorre do cargo no qual o juiz está investido. Porém, a liderança dependerá sempre da sua postura, da sua atitude pessoal com relação aos seus funcionários e estagiários. A literatura na área da administração revela que quando o juiz exerce liderança sobre a sua equipe, ela fica mais motivada e comprometida e apresenta resultados melhores. Há vários tipos de liderança, dependendo da atividade profissional exercida e do ambiente. Destacamos o conceito de liderança situacional, em que o líder deve procurar compreender as condições pessoais de cada funcionário, cada situação e cada tarefa específica. O líder deve avaliar se a pessoa está pronta para assumir a tarefa, considerando aí o indivíduo, o grupo e a situação. Assim, o juiz procurará agir nem sempre de forma idêntica com todos, mas adaptando a sua atitude conforme as condições de cada pessoa. Lembramos, ainda, que liderança é uma qualidade que pode ser adquirida, não é inata ao ser, mas exige a vontade de ajudar as pessoas e de manter o foco nos seus objetivos. Enfim, cremos que o juiz deve procurar ser líder de sua equipe e, em decorrência disso, ouvir seus funcionários, promover reuniões de trabalho para a discussão de temas inerentes à atividade profissional, tomando as decisões de gestão com a participação, o envolvimento e o compromisso de todos.

Imprensa: Qual a relação entre o magistrado gestor de pessoas e a celeridade na prestação jurisdicional?

Desembargador Ney: Acreditamos que a atividade jurisdicional poder ser aprimorada, também em termos de produtividade, se o Juiz souber exercer de modo adequado liderança sobre a sua equipe, promovendo ações que deixem motivados os funcionários e assegurando um ambiente de trabalho agradável. Além disso, ainda no campo da gestão de pessoas, há políticas de valorização que podem ser adotadas, como a valorização e o reconhecimento do trabalho dos funcionários, a concessão de recompensas, nos limites do que a função pública nos permite. Por outro lado, também é importante cuidar da capacitação e do treinamento dos funcionários para as tarefas que irão desempenhar, inclusive com cursos de atualização, e a distribuição das tarefas de modo equilibrado, justo e adequado aos conhecimentos técnicos de cada um.

Imprensa: É possível a adoção de um mesmo padrão de rotinas nas áreas/Câmaras Cível e Criminal do TJRS?

Desembargador Ney: Sem dúvida, com relação aos aspectos que já abordamos, acerca dos processos de suporte, não há diferença quanto à natureza da prestação jurisdicional. Os processos de suporte, por esse motivo, podem e devem ser padronizados para todos os gabinetes e isso contribuirá bastante para aperfeiçoar a atividade-fim, sem alterar em nada a sua natureza, seja ela jurisdição cível ou criminal.

Imprensa: Os magistrados, em geral, estão preparados para esse papel de praticante de atos de gestão?

Desembargador Ney: É muito difícil responder a esta pergunta, porque, na verdade, não dispomos de uma pesquisa, uma coleta de dados, em que isso possa ser aferido. Por intuição, acredito que a resposta seja negativa, na medida em que na faculdade de direito e no concurso para ingresso na carreira da magistratura, até agora, esses conhecimentos não eram exigidos. Entretanto, isso é algo que neste momento está mudando, até porque o CNJ já determinou, por resolução, que doravante sejam ministrados aos juízes esses conhecimentos sobre administração judiciária, e que isso desde o concurso para ingresso na carreira da magistratura seja avaliado. Em resumo, creio que até agora alguns magistrados destacavam-se de modo individual e isolado por terem boas práticas de gestão, não sendo algo institucionalizado, mas que doravante o será, até em razão da necessidade de otimização de nosso trabalho para dar vazão à grande demanda que recebemos todos os dias.

Imprensa: Quais as principais conclusões de sua pesquisa?

Desembargador Ney: A partir da pesquisa, concluí que era muito importante que o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul realizasse o seu planejamento estratégico, com a definição de objetivos e metas para aperfeiçoar a prestação jurisdicional. Entre esses objetivos, concebi a ideia de um sistema de gestão de gabinetes que viabilizasse a padronização das rotinas de trabalho, a capacitação e o treinamento das equipes, a definição de metas e de indicadores e o controle pela Administração do TJRS, adotando medidas corretivas quando fosse necessário. Na época em que escrevi o livro, o nosso Tribunal de Justiça ainda não havia desencadeado o processo de realização do planejamento estratégico, o qual está agora em plena execução, com o apoio do INDG. Assim, fico muito satisfeito com esse avanço institucional que nos aproxima das condições necessárias para que a qualidade de nosso trabalho seja aprimorada. De qualquer modo, a inserção de nossa proposta nesse Planejamento Estratégico, que já tivemos oportunidade de formalizar a Presidência do TJRS, é claro que depende do momento oportuno e favorável à sua adoção, como já mencionamos antes.

Imprensa: Um dos objetivos a serem perseguidos não seria o enxugamento - unificação de estruturas, como secretarias -, considerando que com a implantação do processo eletrônico os gabinetes até terão que ser reforçados? O senhor fez estudos quanto a isso?

Desembargador Ney: Não fiz estudos quanto à ideia de diminuição das secretarias no TJRS. Por outro lado, acompanhamos agora as alterações quanto às secretarias dos grupos, que de fato foram reduzidas, com recolocação de funcionários em outros setores. Creio que o volume de processos que tramitam nos grupos cíveis e criminais justificou a redução da estrutura, mas o mesmo não ocorre quanto às secretarias de câmaras, onde o volume de processos é enorme e continua crescendo. E, quanto ao processo eletrônico, no nosso caso sua implementação ainda está num estágio inicial, e conviveremos por muito tempo ainda com os processos em papel, acredito. Daí porque uma readequação da estrutura funcional de secretarias e gabinetes, como decorrência desse novo fenômeno, é algo que deverá aguardar um pouco mais, avaliando-se as necessidades em estágios mais adiantados dessas mudanças.

Imprensa: No seu entendimento, os servidores estão devidamente preparados e motivados?

Desembargador Ney: Saber se os funcionários estão preparados e motivados é na prática impossível, porque apenas nos gabinetes de desembargadores do TJRS temos quase 900 funcionários e estagiários, não havendo pesquisas de clima organizacional a esse respeito. De modo empírico, só o que posso dizer é que percebo o esforço de parte da Administração do TJRS no sentido de oportunizar a todos o aperfeiçoamento e a atualização para contribuir com a atividade-fim. Já neste mês, têm início cursos de atualização para assessores de gabinetes, até mesmo com a inclusão de uma palestra minha sobre a gestão de gabinete. A própria capacidade profissional de cada servidor é algo que deve ser avaliado quando do seu recrutamento, quer seja por concurso público, quer seja pela concessão do cargo em comissão, com o uso de critérios objetivos que verifiquem o preparo do interessado. E, por fim, estar o funcionário motivado também vai depender muito da sua própria atitude, do seu comprometimento com a tarefa e, especialmente, da liderança, da postura e da atitude do magistrado com quem ele trabalha e interage.

Um comentário:

  1. Alexandra Zaffari Herrmann26 de maio de 2010 às 11:24

    Prezado Desembargador Ney Wiedemann Neto,

    Além de seguidora e observadora diária de seu Blog, torno-me a cada atividade profissional, uma observadora com olhar de aprendiz, da sua conduta pessoal e funcional. Parabéns pelas idéias e propostas de tornar nosso Poder Judiciário Gaúcho, uma Organização que prima pela Eficácia e Eficiência. Agradeço a Deus, diariamente, por estar vivenciando isso!
    Alexandra Zaffari Herrmann.
    DRH-TJ/RS.

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