segunda-feira, 4 de maio de 2009

ENTREVISTA COM O DESEMBARGADOR

Desembargador Ney Wiedemann Neto: “O Juiz deve buscar ser mais humanizado,participar da sociedade e conhecer a realidade humana em que vai decidir”

Promovido ao Tribunal de Justiça, com 19 anos de magistratura, o Desembargador Ney Wiedemann Neto considera ser necessária muita humanidade aos magistrados, além da capacitação técnica e de gestão. “Essa humanização do Juiz é possível quando ele participa ativamente da sociedade e não permanece isolado no papel de magistrado, acumulando apenas conhecimento jurídico.”


Espírita atuante, acredita que um dos caminhos para humanização do Juiz é por meio de sua participação em movimentos e associações, onde são debatidos temas como filosofia e religião, que vão além do estudo do direito. Nesse sentido, participa de reuniões periódicas da Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas (ABRAME). Considera também que o trabalho voluntário em alguma instituição permite o contato com as necessidades dos outros, ampliando a visão da vida.

Dentre seus projetos profissionais, o Desembargador Ney Wiedemann Neto revela a intenção de compartilhar conhecimentos de gestão em benefício dos jurisdicionados e do Tribunal de Justiça. O magistrado cursou Mestrado em Poder Judiciário, ministrado pela Fundação Getúlio Vargas, cuja dissertação aborda a administração do gabinete de Desembargador: aspectos de liderança, monitoramento e padronização dos processos de trabalho, além de fixação de indicadores para medir a produtividade.


Confessa o respeito e admiração pelo avô, falecido Desembargador Ney da Silva Wiedemann, exemplo que lhe motivou a ingressar na magistratura. Antes de chegar ao Poder Judiciário, o magistrado também atuou como Advogado e avalia que a experiência proporciona ao novo Juiz mais maturidade e experiência de vida, “além daquela que se adquire nos livros”.

Destaca a iniciativa inédita da Justiça Estadual com o “Projeto Poupança”, convertendo ações individuais em liquidação de sentença proferida na demanda coletiva. “Essa experiência pioneira serviu de laboratório para a geração de uma nova cultura, em termos de processo coletivo.” Aborda, entre outros assuntos, as vantagens do uso das ferramentas da Gestão pela Qualidade para uma prestação jurisdicional mais efetiva.




O senhor é Consultor Interno do PGQJ – Plano de Gestão pela Qualidade do Judiciário do TJRS. Quais são as vantagens da utilização da metodologia da Qualidade na atividade do Juiz?

Para a sociedade, a vantagem é que o resultado dos serviços judiciários tende a ser mais eficaz, no sentido de apresentarem menos erros, tempo de espera e custos. A Gestão pela Qualidade divide-se na vertente humana, que trata das relações pessoais no ambiente do trabalho, e na vertente técnica, que cuida das ferramentas de controle dos processos de trabalho. Aborda, então, aspectos de liderança, de valorização das pessoas e de padronização de rotinas que simplifiquem as tarefas.

Quando se fala na crise de efetividade do Poder Judiciário, em razão do enorme volume de serviço, o primeiro pensamento é aumentar o número de magistrados e de servidores. Porém, por limitações orçamentárias e legais, isso não é possível. A solução é desenvolver métodos de trabalho que consigam aumentar a produtividade para que, com a mesma quantidade de recursos humanos e materiais, consigamos dar o atendimento necessário aos processos.

Gostaria que o senhor discorresse um pouco sobre experiências e atividades na trajetória pelo 1º Grau.

Exerci a Advocacia antes de ser Juiz e a experiência foi muito enriquecedora. Permitiu-me compreender melhor a percepção do processo do ponto de vista do Advogado. Isso traz ao novo juiz mais maturidade e experiência de vida, além daquela que se adquire nos livros. Já na Magistratura, trabalhei três anos em Osório (1ª Vara Judicial), na entrância Inicial, e três anos em Soledade (2ª e 3ª Varas Judiciais), na entrância Intermediária. Depois fui promovido para Porto Alegre, onde me classifiquei na 8ª Vara Cível – 1º Juizado. Em fevereiro de 2001 fui convocado ao Tribunal de Justiça, onde trabalhei em algumas Câmaras Cíveis, atuando em regimes de exceção ou em Câmaras Especiais, até ser promovido a Desembargador.

Além disso, tive a honra de participar da vida associativa na AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Integrei as diretorias nas gestões dos Desembargadores José Aquino Flôres de Camargo, Carlos Rafael dos Santos Júnior, Denise Oliveira Cezar e, atualmente, Carlos Cini Marchionatti, como Diretor do Departamento de Informática. Também estou exercendo o mandato como membro eleito do Conselho Deliberativo da AJURIS, para o biênio 2008-2009.

Na Escola Superior da Magistratura da AJURIS sou coordenador do módulo de Prática Civil do Curso de Preparação à Magistratura, onde leciono as disciplinas de Prática de Sentença Civil e de Gestão da Qualidade e supervisiono o estágio profissional dos alunos nos gabinetes de magistrados. Também sou coordenador do Núcleo de Estudos de Direito Empresarial (NEDE) da Escola.

Sobre o perfil do juiz, atualmente, há uma idéia que ele deve ter capacidade de gestão. Inclusive o senhor cursou Mestrado em Poder Judiciário na Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Qual a abordagem de sua dissertação?

Minha dissertação aborda a gestão do gabinete do magistrado no âmbito do Tribunal de Justiça. Um Desembargador tem uma equipe, em geral, com seis colaboradores: são três assessores, o secretário e dois estagiários. O Juiz é o gerente do seu gabinete, desta unidade produtiva, e ele precisa trabalhar com a sua equipe para atingir os melhores resultados no julgamento dos processos que ele recebe todos os meses. Então, minha dissertação aborda a gestão do gabinete do Desembargador: aspectos de liderança, de monitoramento dos processos de trabalho, de fixação de indicadores para medir a produtividade e assim por diante.

O que o senhor projeta, a partir do momento em que foi promovido a Desembargador, para essa sua nova fase na carreira?

Pretendo, além de atuar em câmaras cíveis, dar a minha colaboração também na área de gestão. O próprio convênio que o Tribunal fez para proporcionar o mestrado aos magistrados com a Fundação Getúlio Vargas prevê a reciprocidade, no sentido de que os magistrados devem retribuir, colaborando com a divulgação e multiplicação dos conhecimentos adquiridos. A própria publicação das dissertações, através da “Coleção Administração Judiciária”, já é um exemplo disso, além da participação dos colegas que se interessam pela temática, como eu, em seminários ou cursos de atualização.


Como surgiu a motivação para a carreira da Magistratura?

Acredito que o fato de o meu avô Ney da Silva Wiedemann ter sido Desembargador, e de ser uma pessoa que eu admirava e respeitava muito, tenha influenciado a minha escolha. Sempre tive no meu avô um modelo. Ele também foi professor na UFRGS e na PUC, lecionou Direito Comercial e Direito Internacional Privado. Muitos professores meus na Faculdade de Direito da UFRGS e Desembargadores com quem convivi no início de minha carreira foram alunos dele, e contavam-me histórias sobre o meu avô com carinho e apreço. Ele faleceu quando eu tinha sete anos de idade. O meu pai era membro do Ministério Público quando faleceu, aos 49 anos de idade, de hepatite, era Procurador de Justiça. Na época, eu tinha três anos e por isso tenho poucas lembranças dele, ao contrário do meu avô, de quem recordo melhor.

Na sua avaliação, o que é necessário para ser Magistrado, além de conhecimento técnico e jurídico?

O Juiz deve ter valores éticos, sensibilidade para se colocar no lugar das pessoas que julgará, ter aquela visão da realidade humana que irá decidir. Essa humanização do Juiz é possível quando ele participa ativamente da sociedade e não permanece isolado no papel de magistrado, acumulando apenas conhecimento jurídico.

Um dos caminhos que permite ao magistrado sua humanização é através de movimentos ou associações, em que outros temas, como filosofia e religião, são debatidos. O próprio trabalho voluntário em alguma instituição é uma forma de qualquer pessoa dar a sua contribuição para a sociedade e, nesse contato com as necessidades dos outros, ampliar a sua visão a respeito da vida. Eu, em particular, sou espírita, frequento e trabalho em um Centro Espírita. Essa atividade é muito enriquecedora e gratificante para mim.

Também participo das reuniões periódicas da ABRAME - Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas. Essa associação reúne os magistrados espíritas ou simpatizantes do espiritismo que buscam se tornar pessoas mais humanizadas, no sentido de estudar a Doutrina Espírita e a aplicação dos seus valores no mundo jurídico. A Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira é a delegada da ABRAME no Estado, e muito bem desempenha a tarefa de congregar os magistrados em torno do ideal de avaliar os seres humanos como seres espirituais em evolução, cuja dignidade deve ser respeitada, independentemente da história de cada um.

Tramitam atualmente milhares de ações discutindo perdas nas cadernetas de poupança em razão de planos econômicos. Qual é a vantagem das ações coletivas?

Muitas pessoas ingressaram com ações individuais de cobrança contra os bancos, reclamando diferenças de correção dos depósitos em cadernetas de poupança. Ao mesmo tempo, foram ajuizadas ações coletivas contra os mesmos bancos que já foram julgadas procedentes, beneficiando a todos. Esse fato tornou as ações individuais algo desnecessário. Não haveria mais razão para que as ações individuais prosseguissem. São milhares de ações que lograriam, ao fim e ao cabo, obter o mesmo resultado condenatório que aquelas sentenças nas ações coletivas já haviam conseguido.

O que se decidiu, em benefício da sociedade, foi evitar o retrabalho. Como medida de economia processual, entendeu-se de aproveitar a primeira ação como liquidação de sentença individual. De ofício, os Juízes converteram as ações de cobrança individuais, que não tinham mais objeto, em ações de liquidação individual da sentença da ação coletiva, evitando o retrabalho em milhares de processos.

Essa experiência pioneira serviu de laboratório para a geração de uma nova cultura, em termos de processo coletivo. Atualmente, está em fase de elaboração uma nova lei que cuidará das ações coletivas e um grupo de Juízes de nosso Estado, que atua no “Projeto Poupança”, está contribuindo com isso.

A atividade jurisdicional exige muita dedicação. O que ajudaria a organizar melhor esse trabalho para o Juiz poder administrar melhor o seu tempo?

A carreira do Juiz tende à especialização. No início, é chamado a julgar processos versando sobre inúmeras matérias. Porém, nas mudanças de entrâncias, chegando à capital e, por fim, ao Tribunal, as matérias ficam cada vez mais restritas. No momento em que trabalhamos com especialização, tendemos a conseguir administrar e cuidar melhor do tempo, pois é menor o número de matérias que temos que estudar para os julgamentos. Com isso, conseguimos manter o serviço organizado e em dia e com um resultado de maior qualidade, pelo aprofundamento que é possível dar ao estudo dos temas, em menor diversidade do que no começo da carreira.
(fonte: site do TJRS)

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